No início desse ano recebi uma missão: ser professor de uma matéria na faculdade de arquitetura que, na minha época de estudante, não entendia, não gostava e não via valor prático.
Não falo de Biologia, que particularmente não entendia, não gostava e não via valor em saber se um determinado tipo de célula tinha pseudocilio, por exemplo. Que diferença faria para mim entender se a pobre célula usava cílios postiços ou naturais? Essa informação mais parecia tirada de alguma revista de fofoca, do mundo da biologia, do que uma matéria científica.
A disciplina que fui convocado a dar foi Arquitetura Vernacular.
Me lembro que na época da faculdade ficava pensando:
– Oca de índio?… Casa de pau-a-pique?… De adobe?… Palafitas?… Iglu de esquimó?… Pra que será que estou aprendendo isso? Nunca aplicarei na minha vida! Que matéria de índio é essa, meu Deus?!
Se a arquitetura vernacular se configura exatamente por lançar mão de saberes e recursos locais, dispensando o projeto de um arquiteto, então, para que aprender isso?
Enquanto estudante a resposta era óbvia: passar na disciplina e receber o diploma. Entretanto, e enquanto professor, como assumir uma matéria dessa que eu não via valor, que eu não acreditava?
Lecionar sem acreditar no que se ensina é muito grave. Mais grave do que esse povo que sai nas ruas reclamando da roubalheira do partido vizinho mas que é cego para roubalheira do seu (inclusive, nesse momento, é bem capaz que tenha concordado, pensando nas passeatas dos outros e não nas suas).
Ensinar o que não se acredita é muito mais grave. Mais grave, inclusive, do reclamar da corrupção dos políticos, que querem levar vantagem em tudo, mas atravessar fora da faixa de pedestre para ganhar tempo.
Realmente é pouquíssimo provável que um estudante de arquitetura utilize, em sua carreira, alguma técnica vernacular tradicional. Mas esse tipo de construção, antes da técnica, é um comportamento, uma expressão cultural.
A construção vernacular faz parte, muitas vezes, de um ritual social, onde vários membros de uma comunidade se reúnem periodicamente para construir ou reconstruir suas moradias.
Como disse um cacique xavante, quando ofereceram construções do Minha Casa Minha Vida à sua tribo:
– Não usamos tijolos cozidos pois precisamos da terra viva. Quando morremos, voltamos para a terra e nossa alma continua viva na natureza. Construir uma casa com o barro cru permite que os espíritos dos nossos antepassados estejam conosco.
E aí?… Nós, arquitetos formados, sabedores das boas práticas, vamos forçá-los a azulejar suas paredes? Vamos impor-lhes o que é a boa e verdadeira arquitetura “para o bem deles”?
Da mesma forma, nós temos o direito de ditar aos nossos clientes o que realmente é o gosto correto?
É realmente improvável que lancemos mão algum dia, em nossos projetos, de alguma técnica vernacular. Assim, qual a importância dessa matéria?
A importância é sua essência. Saber respeitar as características regionais, o clima, a geografia de onde o projeto será realizado e, essencialmente, compreender a cultura e história do cliente, assessorando-o a morar em um lugar melhor, dentro de sua natureza e gosto pessoais. Isso sim é importante.
As técnicas passam, as formas construtivas passam, as tendências de decoração passam… a necessidade de morar bem e ser respeitado continua.
Os políticos passam, os partidos passam, as passeatas passeiam… e o ser humano, continua?
Casa de palafita
Essa é uma técnica que eleva as casas através de pilares de madeira local, evitando que alaguem durante as cheias.
Na foto acima, as Palafitas dos Alpes, que integram a lista de Patrimônio da Humanidade da Unesco.
Na foto, triste realidade de casa de palafita em Manaus, que precisa conviver com o esgoto.
Shigeru Ban
Esse arquiteto japonês ganhou prêmio Pritzker 2.014 pela habilidade em aplicar materiais pouco convencionais e sustentáveis na criação de belas arquiteturas.
Ajuda as comunidades em situação de risco com soluções residenciais rápidas e econômicas.
Casa Adobe
O vilarejo de Bichinhos (8km de Tiradentes – MG), é quase todo feito de casas de adobe (tijolo cru).
Superadobe
Técnica do superadobe consiste em preencher sacos de propileno (parecidos com sacos de batata) com terra e aglomerantes. Ganhou notoriedade depois de vencer o prêmio de um concurso da NASA que buscava formas alternativas e econômicas para se construir em eventuais colonizações de outros planetas.
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