Por que não Deus? Investigando as razões ocultas por trás da rejeição da Hipótese Deus pela academia – Parte 15

A cebola esconde uma camada debaixo da outra. Para revelar seu núcleo, é preciso retirar camada por camada, da casca em direção ao centro. É dessa forma que começaremos a demonstrar as razões que explicam a exclusão da hipótese Deus da academia em nosso tempo, retirando camadas uma a uma até encontrar o núcleo do dilema.

 

Os artigos anteriores nos proporcionaram ter uma nítida visão dessa cebola. Na casca e nas camadas superficiais encontramos o modus operandi do campo acadêmico, com seus agentes e interesses. Nas camadas intermediárias encontramos o paradigma imanentista que oferece à academia um ambiente estável de concordância mínima para balizar sua atividade. No centro detectamos o motivo base que enlaça não apenas a atividade intelectual mas a própria cultura ocidental em sua projeção de autonomia humana e soberania da natureza, na qual viceja a contradição reveladora de sua própria imprecisão.

 

Neste e nos próximos artigos descascaremos a cebola partindo da sua superfície.

 

Antes é importante constatar que em nossa sociedade a chancela do conhecimento considerado legítimo está concentrada em um campo social delimitado que seleciona os tipos considerados válidos. O campo acadêmico detém a autoridade do saber, uma forma de poder que define e delimita o que é verdade científica.

 

Como já debatido em artigo anterior, o campo acadêmico não é exatamente um espaço de cooperação para o progresso da inteligência comprometida com o bem-estar da humanidade. Diversamente, é um espaço social onde agentes (cientistas, acadêmicos, pesquisadores) produzem conhecimento ao mesmo tempo em que lutam pelo capital simbólico, buscando manter e aumentar seu prestígio, autoridade e, consequentemente, poder. Bourdieu o descreve como sendo um universo relativamente autônomo, no qual o saber obtém legitimidade através de uma construção social eivada por lutas.

 

Os agentes que operam nos espaços de produção do conhecimento considerado legítimo não são neutros e a autoridade é exercida por aqueles que têm interesse de preservar o seu poder. Os indivíduos que obtêm um lugar de destaque, por razões óbvias (manutenção de privilégios), têm interesse em preservar suas posições, o que passa necessariamente pela contundente defesa das regras que lhe favorecem.

 

A legitimidade do saber torna-se, portanto, o produto de um imbricado processo de disputas e consensos entre os agentes que ocupam posições de poder com a conivência daqueles que topam a dominação entendendo que eles próprios podem vir a ocupar as mesmas posições de destaque.

 

Uma análise mais acurada desse campo revela que suas regras inerentes não se sedimentam tão somente na busca pela verdade e, menos ainda, numa pretensa neutralidade científica. Diversamente, os cientistas profissionais são induzidos a instrumentalizar o conhecimento, não necessariamente para fazer a ciência avançar, mas para acumular capital e troféus, perpetuando um sistema de poder que, por um lado, favorece os agentes dominantes no campo e, por outro, cooperam para preservar o paradigma vigente defendendo-o e reagindo contra eventuais ameaças.

 

O campo acadêmico, valoriza seu próprio capital simbólico, obtido, por exemplo, com a publicação de artigos, financiamentos e prêmios. Os agentes estão na maior parte do tempo empenhados em serem reconhecidos e admirados pelos seus pares. Por isso se dedicam a buscar posições de destaque em instituições, conferências e tomar posse de cátedras. Publicações em revistas de alto impacto, citações em trabalhos de outros pesquisadores e a obtenção de grandes financiamentos tornam-se troféus que simbolizam sucesso. Essa dinâmica cria um ambiente competitivo, onde a colaboração genuína pelo progresso da inteligência e a busca desinteressada pelo conhecimento são mitigados por táticas de autopromoção e de manutenção de prestígio.

 

Esse esforço resulta necessariamente em estratégias individuais generalizadas por um sem número de agentes que se conformam aos fins de obter capital e troféu e não necessariamente de encontrar e divulgar a verdade. A instrumentalização do conhecimento faz com que a produção científica não seja movida pelo desejo da descoberta ou pela vontade de contribuir para o progresso da humanidade, mas sim pelo interesse pessoal e de casta.

 

Para manter a sua própria autoridade enquanto indivíduos ou assegurar as regras do jogo para aqueles que pretendem ascender a posições de destaque no campo, os acadêmicos se veem envolvidos inconscientemente em uma trama que os leva a agir sempre, em sentido lato, em favor da manutenção do prestígio do campo e, em sentido stricto, em defesa da validade do paradigma em voga.

 

É assim que compreendemos o motivo pelo qual erguem-se barreiras de entrada que dificultam a introdução de novos temas ou hipóteses que exerçam ameaça contra o paradigma vigente. Qualquer “ponto fora da curva”, ainda que crível, passa a ser encarado pelos agentes como uma ameaça.

 

É um fato que a ciência tem avançado como nunca nos campos tecnológico e de ciência aplicada. A competitividade de fato estimula o ser humano a se superar. Não se está questionando os avanços, mas como tais avanços se processam. Pois, se por um lado, a técnica se desenvolve, por outro, os temas existenciais se cauterizam. O progresso não se dá por causa das regras do campo, mas apesar delas. Pois ao mesmo tempo em que estimula certos avanços, interpõe barreiras para novos horizontes frutíferos.

 

As regras de publicação, os critérios de financiamento e os mecanismos de avaliação de pares são algumas das armas usadas para excluir ideias que possam ameaçar o paradigma dominante. Um exemplo notório é a resistência à “hipótese Deus” ou a qualquer abordagem que sugira a existência de uma dimensão transcendente ou espiritual que não pode ser explicada pelas metodologias científicas tradicionais.

 

A “hipótese Deus” – a ideia de conceber uma entidade divina ou transcendente como fator explicativo da origem e sentido da realidade – é marginalizada e frequentemente ridicularizada. Isso porque esta hipótese desafia o paradigma materialista/naturalista e o seu rival sancionado relativista.

 

Os mecanismos de exclusão operam de diversas formas: a dificuldade de publicar artigos sobre o tema em revistas de prestígio, a resistência em obter financiamento para pesquisas que abordem a questão e a marginalização de acadêmicos que defendem essa perspectiva, são exemplos de operações de veto. Esses e outros mecanismos garantem que o paradigma dominante permaneça inquestionado, preservando a autoridade do saber que confere poder aos agentes estabelecidos em posições privilegiadas no campo acadêmico.

 

Imagine as repercussões de sua aceitação? Se Deus for considerado uma hipótese crível, este fato implicaria uma reconfiguração significativa das bases epistemológicas estabelecidas.

 

No próximo artigo vamos aprofundar em camadas intermediárias dessa cebola.

 




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