Por que não Deus? Investigando as razões ocultas por trás da rejeição da Hipótese Deus pela academia – Parte 06

Continuamos explorando a teoria de Pierre Bourdieu a fim de oferecer o instrumental para uma explicação ao mesmo tempo sociológica e histórica para o fato da acadêmica rejeitar a ideia Deus como um hipótese válida para explicar a origem e o sentido da realidade.

 

Ao lado do conceito de campo (abordado no artigo anterior) Bourdieu circunscreve sua própria ideia de “capital” numa dimensão que vai além do exclusivamente econômico. Para ele, o capital consiste em todo aquele recurso considerado escasso e cuja posse em determinado volume condiciona a ocupação de posições de maior ou menor prestígio no interior de dado campo. De certa maneira podemos afirmar que o capital é aquilo que confere legitimidade ao indivíduo perante os seus pares.

 

Cada campo tem o seu capital típico que não é intercambiável, ou seja, possui valor tão somente no próprio campo. Cada tipo de capital só vale no orbital que lhe corresponde, sendo muito custosa a sua transferência para outro campo, uma vez que existe uma taxa de conversão enorme quando se pretende trocar um capital adquirido pelo típico de outro campo.

 

Por exemplo, o atleta que foi um sucesso na sua modalidade esportiva terá dificuldade para transferir esse capital caso queira tornar-se jornalista. Ou seu capital é praticamente nulo se a intenção for tornar-se um participante do campo jurídico.

 

Mas quem distribui os capitais? Os próprios participantes do campo. Por exemplo, no campo acadêmico quem confere capital ao pesquisador são alunos e colegas que leem seus artigos, compram seus livros e os citam nas próprias publicações.

 

Quais são os recursos que o indivíduo acumula para conseguir alcançar prestígio no campo? São aqueles típicos do próprio campo. No caso em tela, são os títulos, o prestígio da instituição a qual encontra-se vinculado, a qualificação da revista científica na qual publica, … Tais conferem notoriedade e autoridade a determinados indivíduos segundo aquilo que os participantes aceitam como sendo importantes contribuições para o próprio campo.

 

Enfim, o capital acaba sendo determinado pelo nível de reconhecimento que o sujeito obtém em relação aos seus pares.

 

Para obter o troféu é necessário acumular capitais típicos do campo, ou seja, a posse de certo volume de capital é convertido em um determinado troféu que é igualmente típico do campo, posto que o seu valor está restrito ao seu interior e depende da atribuição conferida pelos próprios contendores/participantes do campo.

 

Os troféus são obviamente simbólicos só é compreendido plenamente pelos participantes do campo. Fora dele, o troféu pode aparentemente não representar absolutamente nada. Exemplos de troféu é ser destaque em um congresso importante, obter um título honorífico ou uma cátedra universitária.

 

No campo há dominados e dominantes. Em seu interior, os participantes agem como jogadores. Em algumas jogadas cooperam e em outras disputam. Todos estão interessados em alcançar os troféus típicos do campo, porém, alguns vão obter êxito e outros não; uns ganham, outros perdem. Cada qual age de maneira estratégica, ou seja, buscando otimizar meios e fins para alcançar êxito na disputa para acumular capital, no curto prazo, e alcançar troféus no longo prazo.

 

O campo também é um espaço de interdição. Pois só se pode agir em conformidade com os limites permissíveis consentidos pelos seus participantes.

 

No interior do campo não admite-se qualquer conduta, apenas o que é socialmente aceitável pelos participantes do campo. Sendo assim, o próprio campo define aquilo que é considerado seu valor e, consequentemente, define as estratégias inaceitáveis.

 

Em inúmeros casos a mesma estratégia pode ser sancionada para um campo e proibida, interditada, em outro. Por exemplo, no campo econômico o ato de copiar o concorrente é digno de respeitabilidade caso a estratégia alcance o êxito que é afirmação no mercado e a alavancagem de lucro. Já no campo acadêmico a cópia é uma estratégia fatal, passível de exclusão do campo.

 

A interdição pode resultar em penas. Algumas delas dizem respeito à reputação, outras podem levar à exclusão. Existem níveis de gravidade de certas ações. Algumas ações podem determinar a exclusão do agente que é então “condenado” ao ostracismo. Como no exemplo acima, o plágio é uma das atitudes mais gravosas que se pode realizar no campo acadêmico,

 

O próprio campo determina a suas heresias e estabelece as penas e o nível de gravidade das sanções.

 

O mesmo pode ser dito sobre as temáticas tratadas. Allguns campos admitem tratar de certos assuntos, outros não admitem. Os participantes do campo erguem barreiras de entrada e selecionam os temas e assuntos considerados legítimos pelo conjunto de participantes do campo.

 

Uma vez estabelecido o elenco de abordagens sancionadas, o conjunto dos participantes devem competir pelos capitais e troféus segundo estes limites, sob pena de imputar a si mesmo uma irremediável sanção que pode variar entre perda de capital ao completo ostracismo.

 

E quanto aos conceitos bourdianos de habitus e ilusio? Nos voltaremos a eles no próximo artigo.

 




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