Neste e nos próximos artigos buscaremos circunscrever as razões para a barreira de entrada aparentemente intransponível da “hipótese Deus” na academia. Para tanto, propõe-se desenvolver uma análise em sentido concêntrico passando por três níveis. No plano dos agentes e seus enredamentos sociais para a qual contamos com o apoio do sociólogo francês Pierre Bourdieu; no plano institucional, nos valendo da contribuição sobre a história da ciência de Thomas Khun; e no plano da estrutura cultural, ou dos axiomas, seguindo as instruções do jusfilósofo holandês Herman Dooyeweerd.
Introduzindo o tema que se desdobrará na longa série de artigos que se seguirão, explicamos que o propósito de revisitar o tema da relação atualmente excludente entre campo acadêmico e a ideia de Deus se dá pelo fato de ainda ser um debate recorrente. Mesmo que já se tenha debatido bastante, há ainda muito o que se discutir, pois a controvérsia permanece viva e, mais ainda, parece estar ganhando novo contorno no período recente.
Começamos com uma constatação: o conhecimento considerado legítimo, produzido no campo sancionado socialmente para sintetizá-lo, seja ele filosófico ou científico, rejeita dogmaticamente a hipótese Deus.
Nosso ponto de vista é que não se trata tão somente de distinguir, apartar, selecionar e distribuir os temas que sejam atinentes aos domínios da fé e da razão (mesmo porque tal operação é substancialmente inócua). Diversamente, o que está em jogo é uma disputa pelos rumos da própria cultura que em função dos contornos institucionais e em meio a estratégias de dominação exige determinar quais são os temas considerados satisfatórios em oposição aos insatisfatórios.
A negação de Deus não tem a ver com uma inferência baseada no rigor intelectual, mas na assimilação de uma restrição dogmática.
O principal efeito é sentido na vida do intelectual que é obrigado a desenvolver duas identidades: a de acadêmico e a de crente. Uma situação miserável na qual a sua ciência deve negar necessariamente a sua crença.
Este processo tem se desenrolado desde o crepúsculo do século XIX, porém, no presente, no contexto da modernidade tardia, com o avanço da comunicação digital, iniciativas de reestabelecimento do tema Deus no interior do domínio da razão ganhou novo fôlego. Organizações que reúnem pesquisadores sérios, como a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2) e a Associação do Design Inteligente (TDI), por exemplo, têm crescido em adesão e produzido muitos conteúdos que se popularizam crescentemente, o que renova a necessidade de reflexão sobre a agenda que os acompanha.
A grande pergunta que norteia a presente reflexão é: para além das aparências e da justificativa apregoada, qual é a natureza real da barreira que impede a entrada da hipótese de Deus no campo sancionado socialmente para sintetizar o conhecimento considerado legítimo?
É a partir deste ponto que continuaremos nossa investigação nos próximos artigos.