Estive no pampa gaúcho, soprado pelos ventos de Gilberto Schwartzmann, diretor da Biblioteca Pública Estadual de Porto Alegre, um notável colecionador literário, autor do livro “A Amante de Proust” e membro da Academia Nacional de Medicina, para dizer algumas palavras sobre esse incrível escritor que foi Marcel Proust (1871-1922). Na capital do Rio Grande do Sul, não pude deixar de me lembrar do meu saudoso colega acadêmico Moacyr Scliar, autor de mais de 80 livros, falecido em 2011.

A harmonia da ascendência comum, o judaísmo,  explica muita coisa das nossas crenças espirituais e literárias. Membro há 35 anos da Academia Brasileira de Letras, da qual hoje sou vice-decano, sempre me interessei, particularmente, pela cultura francesa. Talvez por isso seja natural que tenha recebido a “Légion d´Honneur” e a Ordem das Letras e das Artes do governo francês.

Educação e Judaísmo são atividades que sempre estiveram entrelaçadas, como se pode observar no livro “Ensaios Judaicos”, do professor Jaques Ribenboim, experiente membro da comunidade judaica do Recife, que assinala: “Existe uma tradição de letras  no povo de Israel. O livro mais lido do mundo (a Bíblia) foi escrito por seus descendentes.”

O escritor judeu produz uma escrita judaica, embora não trate especificamente de temas judaicos.   Marcel Proust teve um brilho especial na história do romance francês do século XX, particularmente em virtude do sucesso de “Em busca do tempo perdido”, obra publicada em sete partes,  de 1913 a 1927. Nela está a ideia de que a obra literária tem por objeto voltar a encontrar, além do escoamento estéril da vida cotidiana e mundana, o universo espelhado pelo espírito e considerado, sob o aspecto da eternidade, que é também o da arte.

Com a saúde fragilizada desde a infância por conta da asma,  a vida de Proust é, sem dúvida, o testemunho do permanente esforço para adaptação à doença, para a resistência ao sofrimento. Chegou até a dizer que “a ideia da morte o acompanhava com a mesma constância quanto a da própria identidade”.

George Cattaui (1896-1974), escritor francês de origem egício-judaica, que publicou vários ensaios e biografias, analisou que o prazer na dor e na atribulação deveria, em parte, ser creditado ao sangue judeu de Proust, que o levava a considerar com desprezo ‘‘o mundo inumano do prazer”, e a defender o princípio de que “toda a criação tem que exigir ascese e sacrifícios”. Para ele, a arte traduzia um valor absoluto. E a própria obra literária mostra muito bem a relação que existiu entre o romancista e o mundo que procurou apresentar ao leitor. Já se disse que a doença está para o romance de Proust, como o dinheiro na estrutura da Comédie Humaine . Há estudiosos que afirmam que ele foi “o Balzac do fim da alta burguesia”, que teria escrito “o epitáfio da aristocracia francesa”.




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