A dancinha de Gabriel Araújo no pódio do Centro Aquático de Tóquio se tornou uma das marcas registradas da passagem da delegação nacional por Tóquio. Não só pelo tom bem humorado e por trazer ao cenário competitivo dos Jogos Paralímpicos um ar de leveza, mas por simbolizar ali uma renovação contínua do esporte paralímpico nacional. Gabriel tem 19 anos. Subiu ao pódio três vezes, com dois ouros (50m costas e 200m livre) e uma prata (100m costas) na classe S2. Tem potencial para crescer tecnicamente e representar o Brasil por muitos novos ciclos.
“Eu comecei em 2015 e sempre gostei de assistir à natação. Sempre gostei de assistir ao Daniel Dias. Eu não conhecia muito o esporte paralímpico, a galera, mas via aquilo ali e, ainda mais quando você está no começo, pensava: ‘Nossa! Ainda vou estar numa Paralimpíada…’ E aconteceu tão rápido… Cinco anos depois, com 19 anos ainda. Foi sensacional. Sonhar e estar aqui realizando tudo é bacana demais”, afirmou o atleta.
Ao todo, 28 medalhas das 72 conquistadas pelo Brasil em nove modalidades na melhor campanha de sua história em Jogos Paralímpicos, em Tóquio, vieram do trabalho de atletas com menos de 25 anos. Uma sinalização que, segundo atletas, porta-vozes e autoridades, demonstra o vigor do trabalho feito pelo país de renovar a delegação e manter a consistência dos resultados. O Brasil deixou a capital japonesa na sétima posição no geral do quadro de medalhas, com 22 ouros, 20 pratas e 30 bronzes. O maior número de ouros da história. E um empate com os Jogos Rio 2016 na quantidade de medalhas.
Outros dois exemplos desse frescor vieram da própria natação. Wendell Belarmino, que em 2019 já havia conquistado o título mundial, aos 21 anos, confirmou a condição de mais rápido atleta na classe 11, para deficientes visuais. De quebra, ainda saiu de Tóquio com o bronze nos 100m borboleta e a prata no revezamento 4 x 100m 49 pontos.
“Sempre costumo pensar que a competição é onde me divirto. Se a gente for bem prático, o nosso esporte é como brincadeira de criança, aquela de ver quem atravessa a piscina mais rápido. Só que isso elevado a patamar de profissão. E isso vale tanto hoje, em que ainda sou jovem, quanto para quando estiver mais velho. A ideia é sempre dar o melhor, mas sem se pressionar, sendo capaz de se divertir”, ensinou.
Já Gabriel Bandeira, de 21 anos, estreou nas competições do universo paralímpico apenas em 2020. Chegou aos Jogos de Tóquio e demonstrou uma competitividade impressionante. Saiu da piscina com um ouro (100m borboleta), duas pratas (200m livre e 200m medley) e um bronze (revezamento 4 x 100m) na classe S14, para atletas com deficiência intelectual.
Evolução constante
O vigor da renovação se transpõe para outras modalidades. Mariana D’Andrea, de 23 anos, levantou 137 quilos na disputa da categoria para atletas com menos de 73kg e conquistou um ouro inédito para a história modalidade.
No atletismo, a caçula da delegação nacional, Jardênia Félix, conquistou o bronze nos 400m da classe T20 com apenas 17 anos. Na mesma pista dos Estádio Olímpico de Tóquio, a velocista Thalita Simplício, da classe T11, para deficientes visuais, conquistou duas pratas nas provas dos 200m e 400m aos 23 anos. “Sou nova e ainda tem muita coisa para acontecer”, avisou Thalita.
Principal destaque entre os velocistas brasileiros, Petrúcio Ferreira ainda tem 24 anos e ostenta os recordes mundiais e paralímpicos dos 100m da classe T47. Saiu de Tóquio com um ouro nos 100m e um bronze nos 400m. Nos 400m, aliás, a medalha de prata foi do paulista Thomaz Ruan de Moraes, de apenas 20 anos.
“Isso demonstra que o nosso esporte paralímpico não para de crescer. Há uma evolução natural da cadeia inteira e tem muito investimento federal para dar suporte a isso”, afirmou Bruno Souza, secretário nacional de Esporte de Alto Rendimento da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania. Ele foi o representante do Governo Federal nos Jogos Paralímpicos de Tóquio.
No geral, 94,4% das medalhas vieram de atletas contemplados pelo Bolsa Atleta, programa de patrocínio direto da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania. O programa acompanha muitos desses atletas desde as categorias de base até o ingresso na Pódio, a principal, voltada para atletas que se destacam entre os 20 melhores do mundo em suas modalidades, com repasses mensais entre R$ 5 mil e R$ 15 mil. A delegação brasileira chegou a Tóquio respaldada por um investimento de mais de R$ 117 milhões de forma direta, via Bolsa Atleta, repassados historicamente, desde 2005, a 226 dos 236 titulares da equipe.
Inéditas e promissoras
Na canoagem, o paranaense Giovane Vieira, de 23 anos, foi uma das grandes surpresas da modalidade e conquistou a medalha de prata na prova do VL3. Já no taekwondo, a campanha que deixou o Brasil no topo do quadro de medalhas da modalidade na estreia do esporte no programa paralímpico teve a contribuição de dois jovens talentos. O paulista Nathan Torquato, de 20 anos, levou o ouro na categoria -61kg. A paraibana Silvana Fernandes, de 22, foi bronze na categoria -58kg.
Goleador da campanha do inédito ouro do goalball nos Jogos de Tóquio, com 26 gols, Parazinho tem 25 anos. No vôlei feminino que subiu novamente ao pódio com o bronze no Japão, Luiza Fiorese, Ana Luísa Soares e Edwarda Dias também são integrantes da nova geração.
“São resultados que a gente espera que despertem novos atletas para serem inseridos no paradesporto. Isso faz com que o Brasil, a médio e longo prazo, tenha ainda mais representantes nas diversas modalidades. No caso específico das coletivas, o goalball e o basquete em cadeira de rodas, além do vôlei sentado”, comentou o técnico Agtônio Guedes, secretário nacional de Paradesporto da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania.
“Isso ficou bem marcado nas pessoas de outros países que vieram falar comigo. Muitos nos perguntavam: ‘Qual é o segredo, onde nasce tanta gente? Vocês têm sumidades, como o Daniel Dias, e não para de chegar gente boa em todas as modalidades”, relatou Bruno Souza.
Engrenagens que se completam
Segundo o presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro, Mizael Conrado, a resposta para esse sistema contínuo de renovação das delegações nacionais se deve a um trabalho de busca ativa, de ir atrás dos atletas. As ferramentas, segundo ele, passam por escolinhas, pela formação de professores, pela realização de festivais para detecção de talentos e pela realização de campings com os destaques das Paralimpíadas Escolares.
“Antes, os atletas vinham ao CPB por meio de clubes e associações. Nós mudamos essa lógica. Passamos a criar programas de modo que o CPB passou a ir atrás dos futuros atletas e das pessoas com deficiência. Temos uma escolinha com mais de 600 crianças no contraturno escolar. Criamos o Festival Paralímpico, para ofertar para muita gente a primeira oportunidade de conhecer o movimento paralímpico. Atendemos dez mil crianças em 70 cidades em 2019”, explicou Mizael.
“Além disso, já tínhamos anualmente a Paralimpíada Escolar. Muitas vezes, contudo, os atletas que se destacavam não tinham como dar sequência. O camping passou a ser uma oportunidade de ter esses atletas em nossa estrutura, em janeiro e em julho. Eles passam a ter convívio com a equipe técnica do CPB e com atletas das seleções”, detalhou. “Trabalhamos ainda com a capacitação de professores. Começamos com 30 mil. Queremos chegar a 100 mil em 2025.
Para Mizael, a presença do Bolsa Atleta é outro desses elos que garantem a permanência do atleta no esporte e faz com que a engrenagem de revelação de novos talentos e a manutenção dos bons resultados do país seja mantida. “O Bolsa Atleta tem relevância muito importante no que a gente está vendo hoje. Ele dá condições para o atleta se desenvolver. E não só na ponta, mas desde lá da base, na escola. Desde o Bolsa Escolar que dá condições, incentiva e motiva a criança a persistir no esporte. O Bolsa Atleta tem uma participação decisiva em todos os resultados que a gente teve aqui”, concluiu Mizael Conrado.
Das 20 modalidades em que o Brasil esteve presente nos Jogos de Tóquio do total de 22 – o país não se classificou apenas para o basquete e do rúgbi em cadeira de rodas -, em 14 o país subiu ao pódio. Os brasileiros conquistaram medalhas no atletismo, natação, bocha, canoagem, esgrima em cadeira de rodas, futebol de 5, goalball, halterofilismo, hipismo, judô, remo, taekwondo, tênis de mesa e vôlei sentado. Até então, a melhor marca havia sido no Rio 2016, quando 13 modalidades deram 72 medalhas ao país.
Fonte: Rede do Esporte