romulgado há 29 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente traz no Artigo 53 a garantia ao acesso à educação com objetivo de garantir o pleno desenvolvimento da pessoa e o preparo para o exercício da cidadania e da qualificação para o trabalho. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), investir em educação é uma estratégia eficaz para a proteção da vida e para a prevenção da violência.
A assistente social Ana Lucia Antunes concorda com o posicionamento do Unicef. Há nove anos, ela trabalha no Lar de São José, entidade do Distrito Federal que recebe crianças e adolescentes sob medida protetiva. Ela afirma que a baixa escolaridade predomina tanto entre acolhidos quanto entre as suas famílias. O que identifica é que a vulnerabilidade social se manifesta, geralmente, em relação a um conjunto de fatores, que inclui, frequentemente, desemprego dos pais ou responsáveis e a percepção que têm quanto a seus próprios direitos e deveres. “Quando vêm para cá, é porque, com certeza, algo de muito grave aconteceu”, comenta.
Segundo ela, a negligência familiar está entre os principais motivos que fazem com que a Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios determine o encaminhamento ao serviço de atendimento. “A negligência é algo muito complicado de se definir, porque, para algumas pessoas, significa só bater na criança, e há tantas outras formas [que configuram esse tipo de crime]. Então, é preciso ter um olhar mais aprofundado sobre a negligência e, em contrapartida, também se entender que o que acontece é devido, em parte, à falta do Estado.”
O acesso à educação é desafio ainda presente no Brasil. Apesar de avanços, a meta de universalização proposta pelo Plano Nacional de Educação ainda não foi alcançada. É o que mostra um relatório divulgado, recentemente, pela Campanha Nacional de Direito à Educação. O plano prevê o cumprimento de várias metas até 2024. Um dos objetivos não alcançados trata da educação infantil. O PNE estabeleceu que a universalização deveria ser alcançada até 2016 para crianças de 4 e 5 anos. Segundo os autores do estudo, desde 2014, a taxa de escolarização de crianças de 4 e 5 anos cresceu apenas 4 pontos percentuais, dos 11 pontos necessários.
O papel da denúncia
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos divulgou um balanço que mostra queda de 10% no número de denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes recebidas pela pasta entre 2017 e 2018.Por meio do Disque 100, o ministério diz que no ano passado foram registradas 76,2 mil ocorrências, das quais 17 mil se caracterizaram como violência sexual.
Mais de 70% dos casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes são perpetrados por pais, mães, padrastos ou outros parentes das vítimas. Em mais de 70% dos registros, a violência foi cometida na casa do abusador ou da vítima.
A secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Petrúcia de Melo Andrade afirma que toda a sociedade e os governantes devem se mobilizar para a proteção às crianças e adolescentes com foco na prevenção à violência. Ela diz que é nesse sentido que o governo federal tem se orientado. Para a secretária, o ECA é “um instrumento importantíssimo” e que o dispositivo chega ao seu aniversário de 29 anos tendo como marca “muita luta”.
Em conversa com a Agência Brasil, a secretária citou o caso do menino Rhuan Maycon da Silva, de 9 anos, assassinado pela própria mãe e sua companheira, no final de maio, para destacar que a proteção a crianças e adolescentes somente é possível ser feita em rede.
Combate ao trabalho infantil
A secretária Petrúcia de Melo Andrade falou também sobre a importância do combate ao trabalho infantil. Para a secretária, a sociedade tem um papel importante nesse trabalho e não deve compactuar com essas práticas. Para Petrúcia Andrade, é necessário inclusive mudar hábitos e evitar comprar produtos vendidos por menores de idade em semáforos e outros pontos de comércio informal.
No início do mês, o tema do trabalho infantil voltou a ser debatido pela sociedade após o presidente Jair Bolsonaro afirmar, durante uma transmissão ao vivo pelas redes sociais, que trabalhou na infância. Para a secretária, a fala do presidente não interfere no cumprimento da legislação. “Acho que cada pessoa tem autonomia na sua fala. O presidente, quando fala, fala de uma experiência pessoal e, entre a experiência pessoal e a legislação, seguimos a legislação”, argumenta.
De acordo com o Relatório Luz 2018, em 2016, 1,8 milhão de crianças e adolescentes trabalhavam em todo o país e, desse total, 998 mil (54%) estavam em situação irregular. O levantamento foi feito com base em números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do IBGE.
No dia seguinte ao pronunciamento do presidente, entidades emitiram nota em conjunto para destacar que combater o trabalho infantil é meta prioritária do Estado brasileiro, compromisso assumido não apenas entre os cidadãos, mas também perante a comunidade internacional. A nota repudia ainda quaisquer afirmações que contrariem o trabalho feito pelo Estado e as instituições para proteger a infância contra o trabalho infantil. O texto é assinado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat), o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Fonte: Agência Brasil