Tive o privilégio de acompanhar bem de perto a carreira musical de Angela Maria, uma das vozes mais bonitas do cancioneiro popular brasileiro, nascida em Macaé. Ela era moradora do Morro de São Carlos. Chegou a trabalhar na sede da Manchete, na rua Frei Caneca nº 511. Já cantava no coro da igreja, mas a sua atividade maior se restringia à costura, onde a conheci.
Angela Maria, com uma voz maravilhosa, desabrochou na Rádio Nacional. Fez coro com Cauby Peixoto, formando uma dupla insubstituível. Quando cantava a sua “Ave Maria no Morro”, repetindo o feito de Dalva de Oliveira, fazia um incrível sucesso, que se repetiu por muitos e muitos anos. A sua perda agora, aos 89 anos de idade, é verdadeiramente irreparável.
Em meados de 1958/1959 a revista “Sétimo Céu”, de que eu fui diretor, era uma das mais vendidas nas bancas de jornais. Especializada em fotonovelas brasileiras, muitas vezes saía com grandes artistas em seus papéis principais – isso aconteceu com Angela Maria e Cauby Peixoto. Foi um êxito completo, como era de se esperar. Não havia a febre da televisão e as vendas eram grandemente motivadas pela popularidade das Rádios Nacional e Mayrink Veiga. Angela, uma morena muito bonita, tinha o doce apelido de “Sapoti”, com o qual se consagrou.
Ao se tornar uma das divas da música brasileira, Angela Maria mostrava que tinha talento para “dar e vender”, pois foi contemporânea de grandes cantoras como Dalva de Oliveira, Linda Batista, Dircinha Batista, Emilinha Borba, Marlene, Maysa, Nora Ney, Dolores Duran e Elis Regina, entre outras. Por essa razão, a crítica especializada sempre teve dificuldades em definir quem teria sido a maior cantora do Brasil. Para os mais novos, que tiveram mais contato com a obra da Elis, e por isso a consideram a melhor, uma informação básica: a cantora gaúcha sempre falou que Angela Maria foi a sua maior influência. Tanto é que fez questão de regravar a música “Vida de Bailarina”, uma das mais bem-sucedidas canções da “Sapoti”.
A potência vocal de Angela Maria era admirável e aberta a qualquer ritmo. Fez parceria com Dorival Caymmi em shows antológicos e em gravações clássicas como “Nem eu”. Tudo o que ela gravava era sucesso: bolero, tango, música carnavalesca, samba-canção, valsa, cha-cha-cha, marcha, guarânia, e até rumba, como foi o caso da cubana “Babalu”, de Margarita Lecuona, uma das suas músicas mais lembradas até hoje. Quem também não se recorda da interpretação primorosa de “Gente Humilde”, clássico de Garoto, Chico Buarque e Vinicius de Moraes, que embalou os sonhos de muitos admiradores na década de 1970 do século passado?
No início da carreira, Angela Maria colocou sua voz em canções de grandes compositores como Noel Rosa e Pixinguinha. Com o passar dos anos, diversificou seu repertório, gravando músicas das novas gerações de cantores e compositores, como Roberto e Erasmo Carlos, João Bosco e Aldir Blanc, Fernando Mendes e Moraes Moreira, sem falar nos já falecidos Wando, Renato Russo, Cazuza, Luiz Melodia e Gonzaguinha.
A partida de Angela Maria vai deixar uma legião de cantoras órfãs, como Fafá de Belém, Roberta Miranda e Alcione, que fizeram questão de declarar a admiração que tinham pela cantora macaense. Ao mesmo tempo, cria um vácuo na história da nossa música popular. O novelista Silvio de Abreu, que está preparando uma minissérie sobre a sua vida, foi surpreendido com a partida da cantora, e promete uma história com muito amor e emoção. É o que todos nós esperamos: uma homenagem ao mito da música popular brasileira, à altura do que ela merece.